terça-feira, 4 de outubro de 2011

Dor? Presente!

Embora não pareça, ela está aqui: vestida de indiferença ou camuflada de felicidade. Mas, à noite, quando não há mais ninguém por perto, despe-se: olhando-se no espelho e vendo a dor em pelo, contrai-se envergonhada, tentando, em vão, disfarçá-la.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Quinze dias

O suficiente. Talvez pouco para alguns, mas não para quem faz do quase nada seu tudo. Olhares, sorrisos, carinhos, certezas. De repente, só resta a saudade. Metade intensa, metade morna. A demasia apagou da memória os momentos não tão bons. Na quinzena nada pode ser colocado como péssimo, nem a dor, que era classificada como prova de que aquilo era verdadeiro (pelo menos para uma das partes).

Só queria de volta. Reconquistar era preciso, mas como? Mal sabia como tinha perdido...

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Lili e J. Pinto Fernandes

Cabelo dourado ao vento, boca vermelha, sorriso aberto. Desce num salto 15 brilhante que se destacava ainda mais a luz do sol. Cumprimentaram-na com beijos no ar e abraços distantes. O Moët-Chandon faz cócegas no seu fino nariz, milimetricamente corrigido pelo cirurgião do momento. Sua pele - resultado de mais uma sessão de bronzeamento artificial feita no dia anterior - chamava mais atenção que o vestido estampado. Ria alto, mostrando os dentes perfeitos. Os assuntos preferidos eram moda e beleza. Ela e sua amigas passaram a festa toda falando da nova coleção da Louis Vuitton, e algumas marcaram viagem para buscarem seus novos mimos no exterior.

Óculos escuros, mãos ao volante, camisa com símbolo de jacaré e peito cheio de orgulho. O cabriolet preto era novo em sua coleção. Quando chegou, parabenizaram-no pelo carro, em seguida foram jogar match-play. Ele ganhou, como sempre, sem desmanchar um fio de cabelo, cheio de gel. Entre uma tacada e outra bebiam whisky on the rocks e comentavam sobre os negócios. Como presente ao aniversariante, levou uma caixa de charutos cubanos com um cachimbo de madeira Briar. Experimentaram, o cachimbo de fato dava um sabor especial ao fumo. Riram quando viram o grupo de mulheres ao fundo, tão empolgadas e semelhantes: loiras, corpos definidos por horas de academia, bronzeadas, cabelos lisos, esmaltes vermelhos e preocupações fúteis. Houve uma gargalhada geral quando um sugeriu que fosse feita a brincadeira da troca de alianças.

Estavam há dois meses casados, após um longo relacionamento de duas semanas. Conheceram-se em uma dessas festas, que eram rotineiras. Ele, filho do dono de uma famosa rede de supermercados; ela, estudante de moda na Santa Marcelina, filha de um casal de arquitetos requisitados. Perceberam que o gosto por viagens, festas e música eletrônica eram equivalentes, sendo os principais motivos para o começo do relacionamento. Presenteou-a com um anel de brilhantes que tinha recuperado da sua ex-noiva (terminaram porque não entraram em acordo quanto ao regime de bens). Lili ficou encantada com o presente, algo que nunca havia recebido do seu ex-namorado, Joaquim, que só tinha dinheiro para o motel nas férias e décimo-terceiro.

O casamento foi um luxo: mil convidados num castelo na Escócia. Aproveitaram a lua de mel em vários países da Europa, e voltaram com as malas cheias de presentes. Não pretendiam filhos tão cedo, se achavam jovens demais. Compraram uma cobertura triplex na Vila Nova Conceição, com piscina e vista para o verde. Estavam felizes: J. Pinto por ter casado com uma mulher linda, cheia de vida e que não lhe daria trabalho, e Lili por ter casado com um homem poderoso que não deixaria passar em branco suas vontades mais absurdas. Era tudo que precisavam um do outro. Sentimentos aflorados não vieram, mas as contas bancárias eram mais satisfatórias do que orgasmos. No fim das contas, perceberam que o que mais lhe aproximavam era o fato de não terem sido um dos personagens com final triste na Quadrilha. Todas as noites dormiam após um suspiro aliviado.




TEM A VER:

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

(Carlos Drummond de Andrade)















TAMBÉM TEM A VER:






quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A perpetuação da memória

Estava cada vez mais pálido, magro, aparentando enfermidade. Aquela sensação angustiante sempre o surpreendia ao acordar. Era seguida de uma súbita vontade de cair aos prantos. Por muitas vezes, achava melhor não ter de acordar, pra não ter tais sensações. Sua família não deu importância ao seu estado, e chamava-no de fraco. Evitou os amigos, pois sabia que sua companhia era desagradável.

Só desejava algo que não podia ter mais, mas a única coisa que tinha e que não queria deixá-lo era a solidão.

Por alguma razão, num dia qualquer e depois de ter ficado muito tempo isolado, saiu sem destino. Pegou um ônibus e foi até o final da linha. A viagem foi longa, mas ao ver pessoas e a luz do dia, sentiu-se em paz. Chegando ao final, pegou outro ônibus, e foi até ao término desta outra linha.
 
Fez destas viagens uma rotina. Resolveu intercalar com outras atividades, como ir ao cinema, almoçar, visitar museus, sentar no verde de um parque para ler um livro e até buscar um emprego. Mas ao chegar em casa, relembrava tudo que havia ocorrido no passado, lamentava-se por não se acostumar com as perdas e dormia para amenizar a dor.

Conseguiu um emprego, reviu os amigos, conheceu algumas garotas, mas sempre optava por ficar só. Percebeu que, independente do que acontecesse, a solidão nunca o abandonaria, e a amou por ser tão fiel. A vida social era satisfatória, mas quando chegava em casa as lembranças lhe bombardeavam e lágrimas rolavam até o sono chegar.

Acostumou-se assim, até sua última viagem, da qual não voltou. A solidão não o abandonou nem nesse último momento. De qualquer forma, foi um fim feliz: que lembranças teria agora?

(***sujeito a alterações)

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Um desenrolar

Às sextas aconteciam algumas festinhas após o expediente. Foi bem nessa época que ela criou o hábito de beber. No começo, duas latas de cerveja eram suficientes para que perdesse a timidez sem esquecer o caminho de volta pra casa. Bebeu um pouco mais quando ele disse que a levaria, o que lhe parecia mais seguro. Todos os funcionários da partição estavam lá, mas ele prendia sua atenção bem mais do que os outros. 
Estava ficando tarde, ele não parecia disposto a ir embora tão cedo e continuava bebendo, e isso fez com que ficasse preocupada. Sua mãe já tinha ligado várias vezes, não era comum ela passar a noite fora de casa, ou demorar tanto pra chegar. Optou por ir embora, mesmo estando um tanto perigoso para ir sozinha. Enquanto se despedia de todos, ele chegou e pediu que aguardasse, porque a levaria. Teve um tanto de receio, mas aguardou.
Ficou surpresa quando o carro dele encheu. Tinha oferecido carona a ela e mais três pessoas, que moravam em regiões distintas. Um teco de arrependimento de ter esperado apareceu, já que chegaria bem mais tarde do que tinha pensado. Foi o caminho todo quieta, não chateada, mas um tanto ansiosa e preocupada. Não queria ter problemas em casa.
No fim, sobraram os dois. Ele deixou todos antes porque ela quem morava mais perto de sua casa. Percebeu o estado da garota:

- Tudo bem?
- Sim, estou bem...
- Já está tarde, imaginei que eles teriam problemas em voltar, então achei que seria uma boa ação deixá-los perto de casa, assim como deixarei você.
- Tudo bem, eu entendo. Não pense que estou chateada ou algo assim por isso. É que nunca cheguei tão tarde em casa, não queria deixar minha mãe preocupada. Agradeço pela carona, mas eu não deveria ter ficado até tão tarde.
- Sempre tem uma primeira vez, não é? Se sua mãe ligou e você disse que voltaria de carona com um colega de trabalho, creio que ela entenderá. Geralmente o pai que é muito bravo. Ele não briga com você?(risos)
- Não, meu pai faleceu.
- Que gafe minha. Sinto muito!
- Não precisa se desculpar, afinal, como saberia, já que nunca contei?
- Me desculpo porque imagino que tenha sido algo doloroso pra você, e às vezes lembrar pode deixá-la triste.
- Ele faleceu uma semana antes de eu ser contratada, e tinha uma outra família. Na verdade, não fui nem registrada com seu nome. Mas isso não vale a pena dizer, porque sei que não foi por causa dele...

Ela fica em silêncio.

- Continue.
- Não, não estou muito bem agora... 

Ainda dirigindo, ele passa a mão no cabelo dela. Percebe que está a chorar, então oferece um lenço.

- Cada dia que passa, tenho mais vontade de conhecê-la. Seu sorriso tímido me encanta. Não precisa falar mais nada agora, mas sei que precisa conversar, porque sempre parece que está muito apreensiva, com um nó na garganta. Quero que confie em mim a ponto de falar certas coisas e se sentir confortável.
- Desculpa pelo chororô, sempre fico um pouco sensível à noite. Minha casa é a da direita, do portão cinza.

Estaciona. Ela tira o cinto, pega a sua bolsa que está no banco de trás. 

- Obrigada pela carona.
- Obrigado você. Foi um prazer, como sempre, tê-la por perto. Você é muito especial, mocinha.

Se abraçam e ficam assim por quase um minuto. Ela vira o rosto para lhe dar um beijo na bochecha, porém, ele mais rápido, lhe rouba um selinho. Fica assustada, mas ele não sossega e a enche com uma porção de beijos.

- Estava com vontade de abraçá-la, e abracei, e quando abracei, tive vontade de beijá-la, e...
- Só que eu não estava esperando. Mesmo. 
- Não estou arrependido. Faria de novo, se permitisse.

Beijaram-se novamente, agora com mais intensidade. Mesmo surpresa, sabia que queria que tivesse acontecido o que realmente aconteceu. Despediram-se porque sabia que uma hora ou outra sua mãe apareceria no portão e lhe daria uma bronca na frente dele. Dormiu pensando no choro repentino e da forma como ele tinha a abraçado e beijado. Era diferente do que já tinha sentido outrora.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Um interesse

Quis conhecê-lo mais. Era descendente de italianos e passou até a imaginar como seria se o sobrenome dele estivesse junto ao dela. Todos os dias chegava com esperanças de encontrá-lo e receber mais um abraço daqueles. E todo dia recebia. Era sempre brincalhão e curioso, e como era! Bastante questionador, e ela tinha impressão que as perguntas eram feitas não para aborrecê-la, nem para testar seus conhecimentos, mas sim para ajudá-la a pensar, como se fosse um exercício. Compreensivo, sabia que ela era jovem demais para saber de tanta coisa. Às vezes se surpreendia com as respostas que recebia. Não por estarem corretas, mas pela criatividade, que era excepcional.

Tantas perguntas faziam com que conversassem por horas, se conhecessem mais e mais e, por fim, tornassem-se amigos. Numa das conversas, descobriram que moravam relativamente próximos. Fez questão de se mostrar disposto a dar uma carona quando ela fosse para casa em vez de ir ao colégio, como rotineiro.

Muitas se apaixonavam por professores, outras viam o pai como o grande amor. Até então nenhuma figura masculina mais velha lhe impressionara tanto. Dezenove anos de diferença. Não tinha pretensão de se envolver, mas cada dia que passava ficava mais encantada com tudo o que ele representava. Era quem lhe explicava matemática quando tinha dúvidas, que dava broncas quando necessário no trabalho, que lhe fazia rir durante o horário de almoço, e que se mostrava tão entusiamado quando ela lhe contava algo da sua vida mais ou menos.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Um começo

Foi transferida para outra filial. Imaginou que o frio da barriga de conhecer novas pessoas ressurgiria, e desejou que fosse superado como na primeira vez. Tinha aquela timidez quando se deparava com algo novo, mas depois se encantava com o desconhecido e fazia de tudo para que o encanto fosse recíproco.  Gradualmente houve o entrosamento, e se sentiu bem no novo lugar. 

Na mesma época, um dos funcionários que estava há um ano trabalhando no exterior retornou à empresa. Todos ficaram felizes ao revê-lo, enquanto ela se concentrava em sua tarefa, já que não o conhecia. Ficou corada e surpresa quando recebeu dele um abraço caloroso. A maioria riu, já que tinha percebido o quanto ela era tímida, e sabia o quanto ele era extrovertido. Quando viu o rubror das bochechas da garota, fez de tudo para conquistá-la. Ele tinha um interesse especial nas pessoas introvertidas, por achá-las misteriosas.