segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Lili e J. Pinto Fernandes

Cabelo dourado ao vento, boca vermelha, sorriso aberto. Desce num salto 15 brilhante que se destacava ainda mais a luz do sol. Cumprimentaram-na com beijos no ar e abraços distantes. O Moët-Chandon faz cócegas no seu fino nariz, milimetricamente corrigido pelo cirurgião do momento. Sua pele - resultado de mais uma sessão de bronzeamento artificial feita no dia anterior - chamava mais atenção que o vestido estampado. Ria alto, mostrando os dentes perfeitos. Os assuntos preferidos eram moda e beleza. Ela e sua amigas passaram a festa toda falando da nova coleção da Louis Vuitton, e algumas marcaram viagem para buscarem seus novos mimos no exterior.

Óculos escuros, mãos ao volante, camisa com símbolo de jacaré e peito cheio de orgulho. O cabriolet preto era novo em sua coleção. Quando chegou, parabenizaram-no pelo carro, em seguida foram jogar match-play. Ele ganhou, como sempre, sem desmanchar um fio de cabelo, cheio de gel. Entre uma tacada e outra bebiam whisky on the rocks e comentavam sobre os negócios. Como presente ao aniversariante, levou uma caixa de charutos cubanos com um cachimbo de madeira Briar. Experimentaram, o cachimbo de fato dava um sabor especial ao fumo. Riram quando viram o grupo de mulheres ao fundo, tão empolgadas e semelhantes: loiras, corpos definidos por horas de academia, bronzeadas, cabelos lisos, esmaltes vermelhos e preocupações fúteis. Houve uma gargalhada geral quando um sugeriu que fosse feita a brincadeira da troca de alianças.

Estavam há dois meses casados, após um longo relacionamento de duas semanas. Conheceram-se em uma dessas festas, que eram rotineiras. Ele, filho do dono de uma famosa rede de supermercados; ela, estudante de moda na Santa Marcelina, filha de um casal de arquitetos requisitados. Perceberam que o gosto por viagens, festas e música eletrônica eram equivalentes, sendo os principais motivos para o começo do relacionamento. Presenteou-a com um anel de brilhantes que tinha recuperado da sua ex-noiva (terminaram porque não entraram em acordo quanto ao regime de bens). Lili ficou encantada com o presente, algo que nunca havia recebido do seu ex-namorado, Joaquim, que só tinha dinheiro para o motel nas férias e décimo-terceiro.

O casamento foi um luxo: mil convidados num castelo na Escócia. Aproveitaram a lua de mel em vários países da Europa, e voltaram com as malas cheias de presentes. Não pretendiam filhos tão cedo, se achavam jovens demais. Compraram uma cobertura triplex na Vila Nova Conceição, com piscina e vista para o verde. Estavam felizes: J. Pinto por ter casado com uma mulher linda, cheia de vida e que não lhe daria trabalho, e Lili por ter casado com um homem poderoso que não deixaria passar em branco suas vontades mais absurdas. Era tudo que precisavam um do outro. Sentimentos aflorados não vieram, mas as contas bancárias eram mais satisfatórias do que orgasmos. No fim das contas, perceberam que o que mais lhe aproximavam era o fato de não terem sido um dos personagens com final triste na Quadrilha. Todas as noites dormiam após um suspiro aliviado.




TEM A VER:

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

(Carlos Drummond de Andrade)















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